terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Vampiro por uma noite

Carlos Eduardo era de uma família abastada. Um típico playboy, considerado um homem perfeito para todos ao seu redor, pois era rico, inteligente, bonito e muito bem relacionado, além de ser um sucesso nos círculos empresariais. Somente seu pai via algo de defeituoso no filho, pois este estava apaixonado e vivia um tórrido romance com Sara, uma bela mulher e chefe da segurança noturna da sede imponente da empresa. Seu filho, um herdeiro de um império milionário andando por aí com uma reles segurança. Havia rancor entre os dois.

Não foi por menos que Carlos Eduardo acordou assustado, naquela noite fria, após os últimos raios de sol morrerem dentre as árvores e os ventos gélidos da noite silvarem por entre as lápides de um tradicional cemitério de São Paulo, fechado, dentro de um belo caixão ornamentado. O desejo de sair do esquife causou uma estranheza pois ela mal havia começado a se desesperar e notou que sua prisão já não estava mais alí. Carlos Eduardo estava em pé, fora do sarcófago dentro do imenso e lúgubre mausoléu de sua família.
Carlos sentou-se assustado e levou as mãos ao rosto em pavor, pois sua memória começava a voltar e ele se lembrava que estava morto. Lembrou-se se de um pseu furado, um vulto saído da escuridão e uma terrível dor. Depois tudo tornou-se trevas e pesadelos dominaram seu sono que parecia eterno.

Ainda confuso o jovem olha para suas mãos pálidas e gélidas e finalmente compreende a realidade. Com um sorriso mórbido em sua face, Carlos concluiu: “Eu sou um Vampiro”.
Levando as mãos até a boca ele pode sentir os dentes imensos que brotavam de suas gengivas. Ainda podia sentir em sua língua um gosto de sangue amargo e uma memória tenebrosa de beber o líquido enquanto sua vida se esvaía veio em sua mente. Ele sente fome. Toca seu rosto e sente-o mudar de forma, enquanto a fome começa a provocar uma dos lascinante. “Sara, preciso encontrá-la”, pensa Carlos Eduardo.

A noite estava fria. Um tremor tomou conta de seu corpo e Carlos pode sentir a noite apossar-se de seu corpo que levitava e se transmutava. Seus pensamentos o levavam à Sara e seus ouvidos não ouviam nada além do vento e de um bater de imensas asas. Carlos era um com a noite.
Do alto da cidade ele percebe que o preço que pagou por suas asas negras foi alto demais. A dor lancinante da fome o leva ao solo. Ele está na baixa Augusta, não entende como ninguém o viu cair e nem como seu terno fúnebre está intacto e bem alinhado ao seu corpo. Ele sabe o que fazer.

-Quanto custa o programa?
-Pra você, trezentos mas... eu te conheço, hein? Você não é aquele ricaço? Ouvi dizer que tinha ido dessa pra melhor?
-Dizem muitas coisas sobre mim. Vamos?

No quarto do Motel barato Carlos avança sobre a prostituta e rasga sua blusa com uma força descomunal. A cor da sua pele parece desaparecer, seus olhos perdem a vida e suas presas crescem como as de um animal selvagem. Ele avança sobre o pescoço da garota e antes mesmo que suas presas penetrem a jugular pulsante da garota desesperada ele sente algo queimar sua carne.

Um crucifixo.

Ele não havia reparado que a prostituta o usava e não sabia sobre os efeitos que tais fetiches religiosos possuíam sobre a prole da noite. A garota grita pedindo a ajuda de Deus, enquanto Carlos grita se contorcendo e arrebentando os móveis do quarto em um misto de fúria e dor.

A janela é aberta pelo monstro furioso que se arremessa contra a escuridão e novamente toma os céus numa fuga desesperada, deixando a garota perplexa, mas ilesa.

O voo é instintivo e desesperado. Em poucos minutos Carlos cai por terra, abatido e quase sem forças. Ele olha para seu corpo e percebe que não consegue mais sustentar a forma humana ou mesmo voltar aos céus. A paisagem lhe é familiar: “Estou perto da casa de Sara, não sei como ou porque, mas estou chegando para buscá-la. Preciso do seu amor, preciso do seu sangue!”
Carlos imagina chegar à casa de Sara e enganá-la, mas olha pra si mesmo e percebe que não consegue mais sustentar a ilusão que usou com a prostituta. Suas roupas são um pouco mais que farrapos e sua aparência, horrível. O cheiro de morte do seu hálito também criaria um pavor que ele queria evitar a todo custo.  Fechando os olhos e pensando em Sara ele parece ouvir seus pensamentos e tenta comunicar-se com a amada.

“Venha até mim Sara, minha amada... preciso de você!”

Em pouco tempo Sara surge das trevas, num transe aparente e ao ver Carlos ela para, hesitante.

“Chegue mais perto meu amor... venha sentir meu abraço.”

Sara desperta a poucos passos de Carlos e assustada solta um grito de pavor. Sem forças ou tempo, Carlos Eduardo nocauteia Sara com soco e a pega em seus braços.

Ele quebra a janela de um carro com facilidade e o rouba, com Sara como passageira, retornando à segurança de sua cripta, fugindo do amanhecer que já se aproximava. Carlos podia sentí-lo.
Sobre a pedra úmida ele deita o corpo desacordado da amada. No horizonte os primeiros raios do sol começavam a aparecer entre as trevas.

Olhando para Sara inerte, a fome começa a falar mais alto que o amor que ele sentia pela garota e num instinto demoníaco ele avança sobre a jugular de Sara e crava seus dentes com todas as suas forças.

De repente, lança-se para trás, assustado. Desesperado ele grita:

- Como é possível?

Seus pensamentos mal conseguiam se manter, a confusão, a dor e a fome dominavam o corpo do vampiro e Sara levantava-se segurando a ferida. Ela rosnava e Carlos Eduardo pode ver seu par de olhos negros cheios de ódio.

- Então é isso Carlos? Veio me procurar como uma vítima?

Carlos fica sem reação, mas Sara não. Ela avança sobre ele e com um golpe consegue arremessa-lo com toda a força para fora do mausoléu. Ela fecha os portões deixando-o para fora enquanto a claridade começa a se aproximar do vampiro cansado e confuso.

- Dói! Por favor amor, deixe-me entrar! O Sol queima!
- Entrar? Para quê? Para que tente sugar meu sangue?

Desesperado, Carlos sente sua carne quente como brasa enquanto o sol começa a aparecer cada vez mais forte.

-Por favor! Estou queimando! Deixe-me entrar! Amor, eu sou um vampiro!

Uma risada demoníaca emana do fundo da cripta. Das sombras surge Sara transfigurada em um demônio. Seu olhar era impiedoso e ancestral.

- Claro que você é um vampiro. Eu também sou um vampiro. Quem acha que te atacou no parque?

Carlos Eduardo tenta se proteger dos raios solares inutilmente, enquanto sua pele se desfaz como cinzas de cigarro ao vento. Ele ouve seus ossos partindo e sua visão começa a se perder enquanto seus olhos derretem com a luz.

Seu último lampejo é sua amada Sara, com um sorriso malicioso nos lábios descarnados adornados por caninos imensos.

- É inútil o seu esforço, meu amor. Você será destruído. Queria ficar contigo pra sempre, por isso o segui, trabalhei contigo e o transformei, mas você apenas queria o meu sangue, meu corpo! Viveríamos para sempre, mas me buscou como alimento. Quando humano, todos o achavam um idiota e agora como vampiro, posso ver que estavam certos. Você foi e é um inútil... Adeus!

Carlos sente novamente a dor do dia de sua morte. Os raios destroem sua pele, a luz consome seus olhos e ele sente as trevas engolindo-o.

Quando a noite caiu novamente, Sara partiu com as trevas, fazendo perder-se ao vento as cinzas de Carlos Eduardo, que descobriu tarde demais, que nem a noite, nem o amor, são eternos para um vampiro.

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